A canção ardente do Uno
- Por PROTAGONISTA
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Eu sou Adam Kadmon, templário do relâmpago brilhante, membro do Coro Celestial e Neófito da Ordo ex Decem Sphaerarum; nascido em 29 de julho de 1998; desperto em 29 de julho de 2016; e estas são minhas memórias.
É o meu aniversário de 18 anos e eu estou voltando para Londres para encontrar minha família. A vista do horizonte através da janela distancia meus pensamentos dos estudos pela primeira vez em meses e eu contemplo as estrelas, como se algo entre elas estivesse me observando. Noto que tive esta sensação por toda a minha vida.
Nuvens escuras se aproximam e, ao longe, uma silhueta alada sobre a tempestade atiça minha curiosidade. Talvez fosse apenas a minha imaginação. Em meio ao transe, um murmuro compele meus lábios: – “O avião vai cair...”
A visão de um clarão entre as nuvens rompe o transe em que meus pensamentos me mantinham e estou confuso, mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, o raio atinge e explode uma das turbinas, incendiando a asa.
Ao som do alarme, agarro uma das máscaras de oxigênio que caem à minha frente e, quando olho na direção da aeromoça, ela fica pálida. Fragmentos da asa do avião rompem uma das janelas e, em segundos, parte do teto se rompe, sugando os passageiros mais próximos para fora. Agarro-me a poltrona da frente a tempo de contemplar o desespero enraizar entre os tripulantes.
Eu sinto medo... pela última vez.
Todos ali estavam condenados. Os observo, impotente, pelos poucos instantes em que consigo me manter agarrado ao acento, e então cedo.
Sou jogado violentamente contra a tempestade do lado de fora. Posso ver a costa, ao longe, e a imensidão do mar abaixo de mim. A luz da lua e das estrelas é ofuscada pelas nuvens espessas, mas um relâmpago revela minha solidão na queda rumo ao esquecimento.
Contra todas as possibilidades, em meio a aquela tempestade, encaminhado ao fim certo, eu estou em paz. A violência dos trovões não mais incomoda meus ouvidos, a fúria do vento acaricia meu rosto enquanto a chuva gelada dança junto ao meu corpo. A trama se revela e eu sorrio com lágrimas nos olhos ao contemplar a beleza da queda da máscara da realidade.
Sinto meu corpo boiando em águas tranquilas e a luz do sol em meu rosto me compele a franzir as sobrancelhas. Levo uma das mãos ao rosto e meu corpo afunda na água rasa. Meus pés tocam pedras ao fundo e abro os olhos em meio a uma grande gruta. Há flores e ornamentos distribuídos por todo o local e eu sinto a vida fluir através de cada detalhe.
Ergo-me e avisto o mar ao longe. Concluo que fui resgatado por alguém e noto que estou sendo observado.
– “Eu posso sentir sua presença. Revele-se.”
Algo reage ao meu comando sob a água, e uma bela e familiar garotinha emerge.
– “Ola, Adam!”
Familiarizei-me com aquela saudação, como se há muito tempo ninguém me chamasse pelo meu verdadeiro nome.
Estendo minha mão até seu rosto, sinto sua pele macia e eu me vejo acariciando o rosto de uma criatura magnífica que finta meus olhos com serenidade.
– “É você quem tem me observado, não é?”
Aquele ser celestial, vagarosamente, balança a cabeça negativamente e sua voz novamente se projeta em minha mente.
– “Aguardávamos teu despertar. Siga-me. Por favor.” A criatura angelical voa para fora da gruta e segue pelos degraus de uma escadaria. A acompanho por entre os corredores de um grande templo até um salão. A beleza daquela construção só podia ser comparada a harmonia que transbordava dela. Nada nunca fez tanto sentido para mim quanto aqueles primeiros instantes de despertar.
O reflexo no piso espelhado revela algo diferente do que eu estava acostumado. Assumi uma forma angelical que deixa claro o abandono completo de minha vida mundana.
Eis que, ao centro do grande salão, repleto de vitrais e ornamentos que remetem ao divino, uma mulher com vestes sacerdotais se aproxima de mim. É, de longe, uma das mulheres mais belas que já vi e seu sorriso parece confortar cada átomo do meu ser.
– “Liora.” Seu nome parecia ter sido soprado em meu ouvido e o sussurro é correspondido com um abraço caloroso.
– “Mestre Adam! Não imagina como é bom revê-lo!”
Eu ainda estou confuso. Ela me é familiar, mas apenas por intuição e se quer imagino quem ela é.
– “Eu... gostaria de poder dizer... que senti sua falta.”
Liora se afasta e fita meus olhos ainda sorrindo.
– “Estou certa de que suas memórias virão com o tempo.
Eu fui sua discípula, há muito tempo. Você foi mais do que um pai para mim.
Quando pressenti seu retorno, enviei um anjo para te observar. Não imagino melhor forma de retribuir o que fez por mim do que ter a honra de ser a mestra de meu antigo mestre.”
A noite chega... e há dezenas de magos testemunhando o ritual orquestrado por Liora quando ela me convida ao centro do círculo mágico. Ajoelho-me a sua frente durante a cerimônia que me apresenta aos demais membros da facção. Sinto que todos reconhecem o nome Adam Kadmon e a maioria reconhece a forma que assumi ao despertar. Quando é revelado que a minha encarnação anterior havia fundado aquela ordem secreta, torna-se palpável a sensação de que todos ali esperam coisas grandes de mim.
– “Eu sou Liora Witte, Arquiprior do relâmpago brilhante e Ipíssimus da Ordo ex Decem Sphaerarum, e, a partir deste momento, você é meu discípulo.”
Eu sorrio perante a euforia silenciosa que sinto nos espectadores e me ergo perante minha mestra. Ela mantém o ar majestoso, mas sorri com os olhos.
Após a saudação, retorno para junto dos demais membros com a certeza de que, a partir daquele momento, eu estaria morto para o mundo mundano. É melhor assim. Vínculos com os adormecidos impediriam minha dedicação completa aos ensinamentos de Witte.
(Esta é uma narrativa ficcional para Mago: A Ascensão - World of Darkness)