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Conto: Noveau

  • Por Sky
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A vitrola emitia o som do trompete. Uma música suave, colocada ali para acalmar o suspeito.

– Conte-nos mais sobre ela, senhor Fieldman – eu disse, com o bloco de anotações na mão esquerda e lápis na direita – Seja o mais detalhado possível.

O senhor Fieldman desviou o olhar. Não ousava olhar diretamente nos olhos de ninguém.

– Senhor Fieldman, o senhor está sendo acusado por homicídio… – Parker, meu parceiro naquele caso, perdia a paciência.
– Eu sei do que estou sendo acusado, senhores – Fieldman pegou seus óculos e colocou sobre a mesa.

– Então sabe que está em apuros. Se nos ajudar, poderá se provar inocente.
– Inocente? Ela não quer inocentes…

É difícil definir o que é realidade ou o que é devaneio no conto de Fieldman. Tentarei descrever o que entendi:

Tudo havia começado num sótão cheio de poeira. Fieldman realizava uma visita a uma casa de veraneio, localizada numa longínqua comunidade interiorana.

Havia comprado o imóvel por uma bagatela, um negocio suspeito no mínimo.
A casa de madeira, completamente isolada da estrada e localizada numa clareira ao lado de um rio foi vendida com tudo que havia dentro:
Mobília, obras de arte, livros…Fieldman não procurou saber quem era o dono antigo.

Não pretendia pernoitar naquela casa, mas Fieldman não viu as horas passarem enquanto fazia o inventario.
Um homem metódico, aproveitou que ate mesmo cama pronta havia ali e com uma breve ligação avisou a família de que passaria a noite ali.

Acredito que Fieldman se arrependa muito.

Sons estranhos despertaram Fieldman no meio da noite.
Acendeu as luzes, preocupado, imaginando que o lugar seria barato por falta de segurança.
Tirou uma velha pistola da maleta e subiu as escadas, em busca do som.

O sótão. Fieldman disse não saber como havia parado ali, e nem aonde teria parado a pistola.
Somente uma coisa engolia toda a visão do homem de negócios.

Ela.

– Esta me dizendo que sua pistola desapareceu de uma hora pra outra, Fieldman? – Parker jogou as fotos na mesa.
Era muito claro a causa mortis das vítimas.

– Eu não fiz isso. Eu não matei minha mulher e minha filha!!! – sentia o desespero na voz do suspeito – Foi ela!!!

– Ela quem, senhor Fieldman? – perguntei.

Fieldman continuou a contar.

Sua memória havia se embaçado em uma musica francesa em eterna repetição.
Imaginei que ele teria sido drogado, mas ele negou.

– Ela é tão bonita. Sua pele macia, o jeito que ela tocava a água do lago e seus cabelos morenos…
– Espera ai, lago? Não era um rio? – Parker questionou.
– Sim, um lago. Havia um rio ao lado da minha casa, mas ela estava num lago.

Achei que Fieldman já estava num estado alucinógeno. Criando fatos, criando elementos em sua história que não faziam o menor sentido.
Não havia culpa em sua voz mas tudo apontava para que ele fosse considerado culpado: arma do crime, atividades bancárias suspeitas, compra de uma casa isolada da sociedade.

Eu e Parker já havíamos criado nossa teoria: Fieldman teria resolvido fugir da família, teria encontrado uma amante, comprou uma casa para que ele e a amante pudessem fugir dos olhos do mundo. A mulher teria descoberto, levado a filha junto quando confrontou o marido.
Uma briga teria levado ao assassinato a sangue frio, sete tiros de pistola. Mãe e filha estiradas no chão da casa de madeira.

Mas ainda faltava um elementos para confirmar nossa teoria: quem era “Ela”? Não havia sinal da mulher na casa.

– Onde está Ela? – Fieldman perguntou, dessa vez com coragem para encarar Parker nos olhos – Ela estava confusa, não conseguia mais cantar. Cantava em francês.
– Achei que seria você a nos responder onde está essa sua amante – perguntei.
– Ela estava na casa, mas parei de escutar a música… – algo o interrompeu durante a fala, mas nós não sabiamos o que era – Santo Deus! Ela está aqui.

Fieldman abriu um sorriso sinistro. Suas roupas ainda estavam manchadas de sangue da sua família.

– Quem. É. Ela? – Parker se levantou, irritado. Fieldman era um louco, mas era o único que poderia esclarecer aquilo.
– Ela…ela é algo novo, policial – Fieldman se levantou, e num golpe inesperado chutou a mesa para frente, a virando.

Parker não teve tempo de sacar o revolver do coldre. Nunca imaginaríamos que um homem franzino daqueles teria força pra virar aquela mesa de metal num chute. Ele nem sequer estava algemado.
– EU ESTOU INDO, MON AMI! – esbravejou ao saltar sobre Parker, caído no chão.

Eu agarrei as costas do suspeito e coloquei o braço em volta de seu pescoço. Poderia enforca-lo se resistisse.

Não sei como, ele tinha o revolver de Parker na mão direita. Disparou duas vezes no teto da sala de interrogatório.
A partir desse momento toda a delegacia via o que acontecia e alguns colegas apontavam as armas para Fieldman.

Pressionei seu pescoço, senti ele perder o ar e começar a perder a consciência.

Ele quebrou o braço. Santo Deus ele quebrou o braço e deslocou o ombro para apontar o revolver, mas não era para mim: disparou o gatilho e a bala atravessou sua cabeça.
Naquele momento era eu banhado no sangue e cérebro.

Uma hora depois, já havíamos reportado tudo que vimos e passamos naquela sala.
– Relaxei, parceiro. A droga da arma tava sem a trava – Parker estava sentado, uma grande caneca de café no balcão do refeitório da delegacia lhe aquecia.
– Foi um dia ruim, Parker. O maldito estava fora de si. Com certeza foi ele quem matou a mulher e filha.
– Doentio, parceiro. Doentio. Mas temos de encontrar a tal amante.

Parker tinha razão, era a última ponta solta daquele caso. Pensei no que Fieldman dizia sobre ela já estar ali, mas meu pensamento foi interrompido por um colega que entrou, ofegante.
– Senhores, terminaram o inventário do que chegou da casa do Fieldman.

Eu e Parker fomos ao depósito. O lugar onde eram armazenadas as provas em grandes caixas em grandes armários.

A caixa estava ali, na altura do peito. Fui na frente, abri a tampa da caixa.

Ouvia um zumbido, não sabia exatamente o que era, então ignorei.

Um retrato antigo de Fieldman e da mulher, antes de se casarem. Um relógio de ouro. Alguns papéis e um grande papel enrolado feito pergaminho.

Acho que era uma música, estavam tocando do lado de fora.

Peguei o papel enrolado e o observei atentamente antes de desenrola-lo. Era algo antigo, talvez fosse um pôster de algumas décadas atrás. Não parecia o tipo de coisa que um homem sério feito Fieldman guardaria.

Definitivamente era uma música, não conseguia identificar a língua. Talvez francês.

Abri o papel, era realmente um pôster. Parecia seguir um estilo…francês, algo que eu talvez já tenha visto numa visita chata de museu com uma namorada, décadas atrás.
Uma mulher de cabelo escuro, de uma sensualidade bizarra. Era difícil desviar o foco da imagem.

“Espera, música francesa?”

Ouvi o clique do revolver ser destravado antes de me virar. O som do disparo foi a última coisa que ouvi.

Agora era Parker quem tinha sangue e cérebro em sua roupa.


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